Monday, May 29, 2006

Homenagem ao jovem Miguel Reale - Victor Emanuel


Por Victor Emanuel [Vilela Barbuy]

Gostaria de possuir maior eloqüência e cultura para que melhor pudesse homenagear o grande Miguel Reale, não o fundador do Instituto Brasileiro de Filosofia e da Revista Brasileira de Filosofia, criador da Teoria Tridimensional do Direito e principal mentor do Código Civil de 2002 – que com justiça deveria ser chamado de Código Reale, da mesma forma que o Código de 1916 é chamado de Código Bevilácqua – mas sim o jovem idealista e ex-marxista que, saído das trincheiras da Revolução de 1932, ingressou nas fileiras da Ação Integralista Brasileira.
Nasce Reale em 1910, na legendária cidadezinha serrana de São Bento do Sapucaí, que, localizada na divisa entre São Paulo e Minas Gerais, foi chamada de “Meca do Integralismo” por ter sido o berço do Chefe Plínio Salgado, fundador daquele glorioso movimento patriótico, nacionalista, espiritualista e democrático, e do próprio Miguel Reale, que foi Secretário Nacional de Doutrina da AIB.
Em sua obra “O Estado Moderno”, publicada no ano de 1934, Reale reclama uma concepção do Estado que constitua uma integração de ser e de dever ser, de realidade natural e de valor, e, afim de dar ao Integralismo os fundamentos jurídico-institucionais que a este movimento faltavam, esclarece o sentido da Democracia Integral. Neste livro encontramos a repulsa à compreensão unilateral dos fatos sociais, compreensão esta tão característica de doutrinas como o liberalismo e o marxismo, e a conceituação do Estado Moderno como o Estado Ético, avesso tanto ao individualismo quanto ao totalitarismo.
“O Estado Moderno” recebe crítica favorável de grandes homens de cultura, como Tasso da Silveira, Plínio Barreto, Otávio Tarquínio de Souza e o português Malheiro Dias, e tem, como sua natural continuação, conforme considera Reale, a obra “O Capitalismo Internacional”, publicada em 1935. Neste estudo Reale analisa, com base nos pensamentos de Karl Marx, Arturo Labriola, Werner Sombart, Max Weber e outros, as origens do sistema capitalista e ataca o abusivo capitalismo de trustes e cartéis, onde meia dúzia de argentários, de aves de rapina, se banqueteia à custa da exploração de milhões e milhões de pessoas. Defende Reale a propriedade legítima contra o seu açambarcamento pelos monopólios, monopólios dos quais nós, povos semi-coloniais do Hemisfério Sul, sempre fomos as maiores vítimas.
É ainda em “O Capitalismo Internacional” que Miguel Reale contesta a famosa tese de Lênin segundo a qual o imperialismo seria a última etapa do capitalismo, observando que, ao contrário do que previra o líder bolchevique, vinha o capitalismo assumindo uma “posição nova, de caráter transnacional, ao lado e até mesmo acima do Estado, convertendo-se em seu instrumento: era o ‘Capitalismo Internacional’, representado sobretudo pelas grandes instituições financeiras”, como bem acentua Reale, muitos anos mais tarde, em “Destinos Cruzados”, 1° volume de suas “Memórias” que Gerardo Mello Mourão considera como algo "da mesma linhagem de 'Aus meinem Leben-Dichtung und Warheit', de Goethe" e Austregesilo de Athayde afirma ser o "monumento de uma grande vida".
Foram naquele ano de 1935 também publicadas “Perspectivas Integralistas” e “ABC do Integralismo”, obras de divulgação da Doutrina do Sigma acessíveis não apenas aos que, no dizer de Plínio Salgado, em “Psicologia da Revolução”, “pretendem influir no destino do povo”, mas também ao próprio povo.
“Perspectivas Integralistas”, estudo inicialmente publicado pela Revista Brasileira, nos números 7 e 8, constitui a “Cartilha do Integralismo” totalmente refundida e ampliada e trata de temas como a Nação, o Estado, a Democracia Liberal, a Democracia Integralista, a Família, o Sindicato, o Corporativismo, a Economia, o Novo Direito, a Questão Social, a Centralização Política e a Descentralização Administrativa, o Problema da Cultura, o Problema da Raça e outros, terminando com a conclusão de que o Integralismo, que mantém-se avesso aos preconceitos raciais e opõe-se tanto à liberal-democracia burguesa quanto à ditadura e ao cesarismo, “que sufocam a Liberdade em nome de um interesse de qualquer ordem”, consiste na “realização da Democracia Social e Orgânica, pela identificação progressiva entre Estado e Sociedade, Estado e Nação.”
Já em “ABC do Integralismo”, livro dedicado ao “Chefe [Plínio Salgado], que acordou o povo brasileiro do sonho do liberalismo”, Reale analisa de forma sumária a sociedade liberal do Brasil de seu tempo, mostrando os erros e os vícios de sua estrutura e fotografando com nitidez os aspectos mais característicos e sórdidos da liberal-democracia burguesa, ou seja, da “falsa democracia” que os agentes das oligarquias subservientes aos financistas de Wall Street e da City não cansavam de “endeusar”.
Os inimigos do Integralismo, alguns por ignorância, outros por má fé, acusam o Movimento do Sigma de ser exatamente o contrário daquilo que realmente é. Mas nas obras do jovem Reale encontramos as respostas que evidenciam o fato de nenhuma dessas acusações possuir fundamento.
Aos que acusam o Integralismo de ser um movimento racista, respondemos com as palavras que Reale escreve em “Perspectivas Integralistas”: “O Integralismo mantém-se alheio a todo e qualquer preconceito de raça, preferindo julgar o homem, não pelos aspectos exteriores da cor ou do formato de seus crânios, mas pelos valores morais e cívicos.
“A tese racista não está, nem nunca esteve dentro de nossas cogitações.”
Já aos que afirmam ser anti-semita o movimento criado por Plínio Salgado a 07 de Outubro de 1932, podemos repetir as palavras de Reale em seu magistral artigo “Nós e os fascistas da Europa”, publicado na revista Panorama, por ele dirigida, em 1936: "Do Hitlerismo podemos tirar algumas lições em matéria de organização política e financeira, mas não sabemos em que nos poderia ser útil a tese da superioridade racial, tese que consulta uma situação local.
“Nós brasileiros devemos nos libertar do jugo do capitalismo financeiro e do agiotarismo internacional, sem que para isso abandonemos os princípios éticos para descambarmos até aos preconceitos racistas. A moral não permite que se distinga entre o agiota judeu e o agiota que diz ser cristão; entre o açambarcador que freqüenta a Cúria e o que freqüenta a Sinagoga. O combate ao banqueirismo internacional e aos processos indecorosos dos capitalistas sem pátria, justifica-se no plano moral. E quando a pureza da norma ética está conosco, não se compreende bem qual a necessidade de outras justificações , que podem ser de efeito, mas que certamente são discutíveis."
É importante que essas pessoas lembrem-se, ainda, de que mesmo Karl Marx - um judeu como todos sabem – refere-se ao “judaísmo” como expressão do poderio econômico do capitalismo, não sendo possível, todavia, o qualificarmos de anti-semita.
Àqueles que julgam ser o Integralismo uma doutrina contrária à Democracia e às liberdades públicas, recomendo a leitura de “Integralismo e Democracia”, formidável trabalho publicado por Reale na revista Panorama, em outubro de 1937. É neste texto que Reale, havendo observado que “infelizmente, os nossos inimigos não quiseram nos julgar por aquilo que realmente somos, mas sim pela imagem deturpada que seus ressentimentos e paixões criaram de nós”, afirma: “A Democracia sempre foi o nosso ideal. E foi por amor à Democracia que repudiamos o Liberalismo e o Socialismo que dela se têm servido como mero instrumento, ora para a prepotência das minorias plutocráticas, ora para a exploração demagógica dos sofrimentos populares.”
Faz-se mister sublinhar que a admiração que o jovem Reale expressa, em seus escritos, pela figura do “Duce” Benito Mussolini e pelo fascismo pode ser vista como algo negativo pela maioria das pessoas de hoje que, num completo anacronismo resultante principalmente da campanha difamatória lançada contra o fascismo, há décadas, pelas chamadas “esquerdas” - que conseguiram transformá-lo em sinônimo de nacional-socialismo -, julgam o movimento de Mussolini e a opinião da maioria das pessoas de seu tempo acerca dele muito diversos daquilo que em verdade foram e se esquecem de que Mussolini, que impedira Hitler de anexar a Áustria em 1934 e fizera tudo o quanto era humanamente possível pela manutenção da paz na Europa, só se aliou ao ditador alemão por motivos estratégicos, no final dos anos 30, passando então a Itália a subordinar-se à Alemanha nazista. Na realidade, na década de 1920 e na maior parte da de 1930, era o fascismo visto como a “terza via” entre o capitalismo liberal absorvente e o bolchevismo ateu, sanguinário e escravizador (que, aliás, não era senão um capitalismo de Estado, onde, no lugar dos burgueses, tínhamos, explorando o povo, um pequeno grupo de burocratas) e constituía, antes de tudo, uma reação espiritualista contra o nefando materialismo, uma promessa de primavera, de alvorada após um inverno, uma noite que já se entendia por decênios e decênios.
Cumpre lembrar, ademais, que Mussolini e a doutrina por ele criada foram admirados por Pio XI e por Gandhi, por De Gaulle e Churchill, Franco e Salazar, Perón e Vargas, Pétain e Horty, José Antonio Primo de Rivera e Charles Maurras, D’Annunzio e Marinetti, Gentile e Rocco, Barrès e Valois, Éduard Drumont e Hendrik de Man, Eliade e Cioran, Sir Oswald Mosley e Eoin O’Duffy, Corneliu Codreanu e Szálasy, Menachem Begin e Vladimir Jabotinski, Thomas Edison e Charles Lindberg, T.S Eliot e Wyndham Lewis, Ezra Pound e Fernando Pessoa, Alceu Amoroso Lima e Octavio de Faria, Menotti Del Picchia e Francisco Campos, Olbiano de Mello e Carlos Crisci...
É forçoso ressaltar, todavia, que o Integralismo de Plínio Salgado não é e nunca foi sinônimo de fascismo, sendo inspirado, antes de tudo, na Doutrina Social da Igreja e no pensamento de autores como Alberto Torres, Jackson de Figueiredo, Euclides da Cunha, Farias Brito, Tavares Bastos, Oliveira Vianna e outros.
Hoje - tantos decênios após o fechamento da AIB pela ditadura estadonovista de Getúlio Vargas, que para isso fora pressionada, externamente, pelo governo imperialista de Washington e, internamente, pelas velhas oligarquias, pelo coronelismo que já fora o responsável pelas bárbaras perseguições de que haviam sido vítimas os Integralistas na Bahia de Juracy Magalhães e no Pernambuco de Costa Cavalcanti - o quase centenário e sempre produtivo e lúcido Miguel Reale não é mais um nacionalista e nem tampouco um anticapitalista, mas ainda considera válidos os principais preceitos do Integralismo, ainda reconhece o valor inestimável da obra que nos legou o Mestre Plínio Salgado, “esse injustiçado”, no dizer de Pedro Paulo Filho, e não tem vergonha nenhuma, antes muito pelo contrário, de afirmar que um dia militou nas coortes do Movimento do Sigma, sonhando em restaurar “no Brasil o primado do Espírito, da Inteligência, da Verdade”, conforme escreve Plínio Salgado em “Psicologia da Revolução”, construindo a Democracia Integral e a verdadeira Liberdade, em oposição à democracia liberal (que de democracia nada tem além do nome) e à liberdade burguesa (que não é senão a liberdade do forte explorar o fraco).
Com estas palavras encerro esta pequena homenagem ao jovem Miguel Reale.

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